As
tragédias anunciadas vão se repetindo e, muitos vão se acostumando... Todavia, mais do que nunca, é preciso registrar nossa indignação e lutar pra mudar essa história... Por isso, indignada, reescrevi outra vez e outra vez reescrevi e, coloquei as estrofes em ordem cronológica:
Aos meus, aos teus, aos seus, aos vossos, aos nossos...
(de todos os tempos...)
Ai d'ocês, sobrinhos e parentes de Brumadinho...
dos pés de feijão do seu tio...
só sinto o gosto de um caldo estranho escorrendo...
laah... na feijoada da minha tia enlutada...
Ai d'ocês, sobrinhos e parentes de Brumadinho...
dos pés de feijão do seu tio...
só sinto o gosto de um caldo estranho escorrendo...
laah... na feijoada da minha tia enlutada...
Ai de vous*, citoyens de Paris*...
de vossos lenços perfumados esfarrapados, pelas bombas,
só sinto o cheiro ardido da
intolerância e da morte,
laah.. no meu toaleteh...
Ai d’ocês, gentes de Bento
Rodrigues e de Mariana...
de seus brotinhos tenros, afogados pela lama,
só sinto a essência das tragédias anunciadas,
laah... no meu jardim autorizadoh...
Ai de ti, Noiva de Sampa …
de teus sonhos brancos
soterrados, pelo morro,
só desfio uns farrapos de
véu agarrados,
laah na minha cortinah ...
Ai de ti, Gato da China ...
de teus pelos e ossos escondidos, pelos
escombros,
só vejo a ponta de um rabo
cheirando a mofo,
laah... no meu tapeteh ...
Ai de ti, Moço do Sul ...
de teus lucros verdes
arrancados, pelas águas,
só sorvo o vinho amargo
misturado ao lodo,
laah... na minha panelah …
Ai de ti, pedreiro de Barreiro...
de teus piso lisos misturados ao
lixo pela enxurrada,
só me espeto em cacos
misturados ao pranto,
laah... na minha salah …
Ai de ti, Cão de Machu Pitchu ...
de teus uivos agoniados, ecoando pelas
cordilheiras,
só ouço uns ganidos de um
cachorrinho,
laah... no meu vizinho ...
Ai de ti,Vovó de Friburgo...
de teus cabelos ensopados ao
vento serrano,
só afago um fio de
prata ensanguentado e encaracolado,
laah... na minha toalhah...
Ai de ti, Mestre do Japão...
de tuas cerejeiras
carregadas e desencantadas,
só arranjo flores murchas
e radioativadas,
laah... na minha jarrah...
Ai de nós, Mães do Realengo...
de nossas menininhas mortas com
cachos definidos,
só desfaço um laço de
cetim e sangue,
aki... no meu penteadoh...
Ai de ti, Mãe do Haiti …
de teu
amores já trincados, pelo próximo tremor,
só recolho uns restos de
coração palpitando,
laah... na minha janelah…
Ai de ti, Girl* de Nova York...
dos teus saltos firmes com tuas botas estraçalhadas,
só caminho uns passinhos trêmulos,
laaah..na minha calçadah...
Ai de ti, Girl* de Nova York...
dos teus saltos firmes com tuas botas estraçalhadas,
só caminho uns passinhos trêmulos,
laaah..na minha calçadah...
Ai de mim...
mesmo que eu tente segurar a mão que atira,
mesmo que eu tente escorar o muro que desaba,
mesmo que eu tente impedir tudo aquilo que bate, destrói e mata...
mesmo que eu tente segurar a mão que atira,
mesmo que eu tente escorar o muro que desaba,
mesmo que eu tente impedir tudo aquilo que bate, destrói e mata...
e ...mesmo que eu tenha doado toda a minha alma,
que vai entulhada nestes caminhões de coisas doadas,
que vai entulhada nestes caminhões de coisas doadas,
mesmo que eu chore todo o choro
que se tem chorado,
mesmo que eu cante todo canção
de indignação,
que se tem cantado,
não chego a tempo de vos livraar...
não chego a tempo de vos livraar...
Só de gritaaar...
Ai dos meus... Ai dos teus... Ai dos vossos... Ai dos nossos!!!...
Então...
Eu tento em meio a todas essas lamas,a todos esses cacos,
a todos esses frangalhos,
a todos esses tiros e socos,
a todos esses tiros e socos,
a todo esse suor e lágrima ...
a toda essa dor infindah...
resgatar um pouco de Fé e Poesia,
e clamar a Deus, para nos guardar
para que possamos eu, tu , eles, nós
– que aqui ficamos –
devagarzinho nos consolar
e nos fortificar,
resgatar um pouco de Fé e Poesia,
e clamar a Deus, para nos guardar
para que possamos eu, tu , eles, nós
– que aqui ficamos –
devagarzinho nos consolar
e nos fortificar,
para que possamos
recomeçar
e nunca parar de lutar
para mudaaaarrr!!!...
Izabel Cristina Dutra, reescrito em
JF/MG, no dia 16/03/2019
* vous- vós; citoyens - cidadãos, girl - garota.
As
tragédias vão se repetindo e muitos vão se acostumando mas mais do que nunca
preciso registrar nossa indignação:
Aos teus, aos meus, aos nossos...
Ai de ti, Mãe do Haiti …
do teu amor já trincado, pelo
próximo tremor,
só recolho uns restos de coração
palpitando,
lá na minha janela…
Ai de ti, Noiva de Sampa …
dos teus sonhos brancos soterrados,
pelo morro,
só desfio uns farrapos de véu
agarrados,
lá na minha cortina ...
Ai de ti, Gato da China ...
dos teus pelos escondidos, pelos escombros,
só vejo a ponta de um rabo cheirando a
mofo,
lá no meu tapete ...
Ai de ti, Moço do Sul ...
dos teus lucros verdes arrancados, pelas
águas,
só sorvo o vinho amargo misturado ao lodo,
lá na minha panela …
Ai de ti, pedreiro de Barreiro ...
do teu piso liso misturado ao lixo, pela
enxurrada
só me espeto em cacos
misturados ao pranto,
lá na minha sala …
Ai de ti, Cão de Machu Pitchu ...
dos teus uivos ecoando, pelas cordilheiras,
só ouço os ganidos de um cachorrinho,
lá no meu vizinho ...
Ai de ti,Vovó de Friburgo...
dos teus cabelos ensopados ao vento
serrano,
só afago um fio de prata
encaracolado,
lá na minha toalha...
Ai de ti, Mestre do Japão...
de tuas cerejeiras carregadas
e encantadas,
só arranjo flores murchas e
radioativadas,
lá na minha jarra...
Ai de nós, Mães do Realengo...
de nossas menininhas de cachos definidos,
só desfaço um laço de cetim e sangue,
aqui no meu penteado...
Ai de mim...
mesmo que eu tenha doado toda a minha alma,
que vai entulhada nestes caminhões de coisas doadas,
mesmo que eu tenha doado toda a minha alma,
que vai entulhada nestes caminhões de coisas doadas,
mesmo que eu chore todo o choro que se tem
chorado,
não chego a tempo te livrar...
Então tento em meio a toda essa lama,
não chego a tempo te livrar...
Então tento em meio a toda essa lama,
em meio a todo este sangue,
resgatar um pouco de Fé e Poesia,
e clamar a Deus, para nos guardar
e que possamos eu, tu , eles, nós
– que aqui ficamos –
devagarzinho nos consolar
e nos fortificar,
resgatar um pouco de Fé e Poesia,
e clamar a Deus, para nos guardar
e que possamos eu, tu , eles, nós
– que aqui ficamos –
devagarzinho nos consolar
e nos fortificar,
para que possamos recomeçar
e nunca parar de lutar!
Izabel Cristina Dutra. reescrito em
JF/MG em 2011.
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