Aí eu estava esperando para assistir ao jornal, aí a Fátima fez a chamada; “Aconteceu outra vez...” Aí eu reescrevi aquele poema que fiz, num dia, em que meu olhar se cruzou com uma senhora pela janela do ônibus:
Uma outra prenda de maio
Nossos olhos de mãe largados
assim se encontram
pela janela do coletivo,
assim se encontram
pela janela do coletivo,
nossas almas de mãe cansadas
se encontram pela tela da tevê...
se encontram pela tela da tevê...
Colhes meu olhar abandonado,
colho teu olhar abandonado,
colho teu olhar abandonado,
colhemos o olhar dela abandonado...
mas ninguém vê...
mas ninguém vê...
Nosso pranto rola silencioso
e cansado de tanto recolher
e cansado de tanto recolher
nossos bebês abandonados...
lançados pelas janelas luxuosas,
infectados pelo mosquito danado,
atingidos pelas balas achadas e perdidas,
estilhaçados pela bomba do ódio,
marcados pelas mãos do vício e do ócio,
esmagados pela lixeira ao lado,
congelados nos córregos de outro bairro...
Hei! “Acorda,menina”!“Desperta coração”! *¹
que ainda é tempode subir
a escadaria ou o escadão,
a escadaria ou o escadão,
e antes de limpar o fogão,
enquanto liga a tevê
enquanto liga a tevê
e assiste ao jornal,
pra espantar este mal,
pra espantar este mal,
você vai tricotar aquele casaquinho
pra neste inverno que chega
oferecer para aquele bebê
daquela mãe
daquela mãe
– aquele que se salvou –
porque ela, igual a você
porque ela, igual a você
nunca largou, nunca abandonou
nesse ou em outro maio... sempre cuidou!
Izabel Cristina Dutra, produção original: JF/2008.
*¹ Estas frases são respectivamente da apresentadora Ana Maria Braga e de um D.J. de rádio comunitária.
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